A piadinha que o psiquiatra mais escuta é que tudo se resolve na nossa especialidade com haloperidol e prometazina. A gente leva na brincadeira, porque realmente essa dupla dinâmica resolve muitos quadros de agitação psicomotora nas emergências clínicas e psiquiátricas por aí. Mas será que só essa combinação é possível?
O que é agitação psicomotora (APM)?
O retrato que muitos têm sobre essa condição é a de um paciente inquieto, agressivo e eventualmente sendo contido fisicamente porque “é o jeito”. Mas o conceito de APM não se resume a isto! Um dos maiores erros em conceituar agitação psicomotora é entendê-la como sinônimo de agressividade: em alguns casos, acontece, mas não em todos.
Agitação pode ser definida como um estado de atividade psicomotora excessiva acompanhada de aumento de tensão e irritabilidade. Pode também ser definida como uma inquietação ou atividade motora e cognitiva excessivas e sem necessariamente ter um propósito
Apesar de agitação e agressividade conceitualmente serem diferentes, podem ocorrer juntas. São situações comuns na prática psiquiátrica: representam aproximadamente 10% dos pacientes de um hospital psiquiátrico e podem ocorrer em qualquer setting de atendimento, inclusive de emergências e enfermarias clínicas.
Toda APM merece a mesma abordagem?
Para pensar de maneira adequada, vamos nos questionar: diante de um diagnóstico sindrômico em outra especialidade (dor torácica, por exemplo), você trataria todas as possíveis etiologias da mesma forma? A resposta é não: certamente, o tratamento de uma síndrome coronariana difere de uma dissecção de aorta.
Na Psiquiatria, não é diferente: a APM é uma síndrome, cujas nosologias podem ser muitas. Na hora da agitação, definir a causa nem sempre é possível, mas pode estar a nosso alcance hipotetizar causas possíveis.
Um ponto, entretanto, é crítico: além de pensarmos nas causas psiquiátricas para uma agitação psicomotora (episódio psicótico, mania, intoxicação por cocaína etc), a gente precisa ficar de olho em situações que nos sugerem que aquela agitação possa ser orgânica! Isto mesmo: quadros orgânicos, palpáveis, podem sim causar agitação!
Desse modo, na abordagem ao paciente agitado, é fundamental considerarmos quadros orgânicos que possam justificar aquela alteração que tem “toda a cara” de ser psiquiátrica. Alguns exemplos importantes são hipertireoidismo, encefalites, processo expansivo intracraniano ou delirium! Sim, aquele mesmo: o estado agudo de “confusão”, inversão de ciclo sono-vigília e desconexão com a realidade, que por definição tem uma causa clínica, e cuja apresentação pode ser hiperativa, com agitação. O delirium, aliás, é uma demonstração clássica de que a agitação pode ter sim uma causa orgânica.
Logo, paciente agitado que vem com queixas como sensação febril, dispneia, dor abdominal, cefaleia, desidratação e etc, necessita ser avaliado com um olhar muito amplo para investigação de possíveis causas orgânicas de “base” para a APM.
E quer saber o ainda mais complexo? Quando chega um paciente agitado, você também precisa lembrar de causas exógenas: o que vem de fora! O que o paciente pode ter tomado ou usado e que causou uma alteração no estado mental dele?! Cocaína, anabolizantes, álcool e drogas estimulantes, como anfetaminas, são causas comuns, e devem ser questionadas na emergência
Está percebendo que causa de agitação psicomotora não falta, né? Demonstrar isso só nos leva ainda mais à percepção de que tratar essa síndrome não pode ser resumida em uma receita de bolo em que “tudo é haloperidol e prometazina”.
Mas será que de fato Haloperidol e Prometazina tratam agitação psicomotora? Não teríamos nada além disso a fazer? Agora, vamos aprofundar um pouco mais sobre as estratégias terapêuticas relacionadas ao tema.
Haloperidol + prometazina são um “vício de conduta”?
Definitivamente, não! Mas é um raciocínio simplista achar que são sempre a melhor alternativa!
Usar haloperidol com prometazina IM é um protocolo possível, aceitável e bem respaldado para manejo de APM, quando há recusa a medicação VO. Sai-se muito bem em pacientes com quadros psicóticos de causas psiquiátricas – episódios psicóticos, esquizofrenia, mania – mas deve ser conduzido com cautela: a aplicação de haloperidol 5 mg/mL + prometazina 25 mg/mL deve ser realizada com observação, pela equipe, de qual será a resposta! Se não houver melhora, pode-se repetir mais uma aplicação da dupla, trinta minutos depois! Se mesmo assim houver persistência, o haloperidol deve ser repetido isoladamente, a cada trinta minutos, até seis aplicações, sempre com monitoração.
Quando eu poderia usar alternativas à essa combinação?
Em todos os pacientes você pode fazer além disto! O primeiro passo no tratamento da agitação psicomotora em nada tem a ver com medicamentos: é o descalonamento verbal! Sempre que possível, converse e tente manter contato olho a olho com o paciente, demonstrando interesse na queixa dele. Isto pode ser suficiente para manejo parcial da crise, fazendo com que você reduza necessidade de altas doses ou de via parenteral de medicamentos.
Mas há situações em que outras classes de medicamentos seriam mais úteis à agitação do que haloperidol e prometazina. Um exemplo são crises de ansiedade ou ataques de pânico, que quando muito graves podem resultar em agitação. Nestes casos, o uso de benzodiazepínicos, via oral ou parenteral é mais adequado. Para um ataque de pânico que cursa com agitação psicomotora, por exemplo, clonazepam de 0,5 mg a 2 mg pode ser resolutivo, assim como Diazepam 10 mg, via EV.
Quando eu não posso usar haloperidol e prometazina?
Existem cenários em que esta combinação não é nem um pouco interessante! E geralmente o papel de vilão sobra principalmente para a prometazina. Ela é uma molécula que leva a redução do limiar convulsivo e tem ação sedativa, por mecanismo anti-histamínico! E, sim, agitação psicomotora pode ocorrer em situações em que esse limiar convulsivo está baixo ou o paciente já está com agentes sedativos “circulantes”
Vamos para um exemplo prático? O mais clássico deles é a agitação psicomotora na abstinência alcoólica! Ora, neste momento, tudo que não queremos é que o paciente convulsione: além da medida clássica de realizar o benzodiazepínico para controle do quadro de abstinência, a APM que às vezes ocorre neste contexto deve ser tratada apenas com haloperidol!
Falando sobre álcool, na intoxicação alcoólica aguda – em que eventualmente o paciente se torna mais agitado e até agressivo – o haloperidol isoladamente é a melhor escolha para o paciente alcoolizado e agitado.
Qual o racional por trás disso? Quem usou álcool já tem, circulante, um agente sedativo, cuja interação com prometazina é ruim: além de aumentar o risco de rebaixamento do nível de consciência, a prometazina eleva o risco de encefalopatia de Wernicke, um quadro agudo marcado por nistagmo, ataxia e confusão mental, cuja etiopatogenia envolve deficiência de tiamina como causa central.
E o haloperidol sozinho nunca é vilão?
Todo mundo acaba sendo vilão em alguma situação! Apesar disto, o haloperidol é um medicamento bastante seguro, se feito em doses adequadas (não ultrapassar 30 mg/dia) e pela via adequada – preferencialmente VO ou IM.
Mas há pacientes que respondem mal a ele: quando o paciente tem histórico de uso de haloperidol e, logo na sequência, eclosão de quadro de distonia ou acatisia – distúrbios agudos do movimento – é interessante evitarmos uma nova prescrição dele, por qualquer via.
Aliás, você conhece bem os conceitos de distonia e acatisia? Quem sabe esse não será nosso próximo tema por aqui?
Referências:
- Baldaçara, Leonardo. Emergências Psiquiátricas (Portuguese Edition) (p. 81). GEN Guanabara Koogan. Edição do Kindle.
- Baldaçara, Leonardo, Flávia Ismael, Verônica S. Leite, Renata N.S. Figueiredo, Lucas A. Pereira, Daniel Augusto Corrêa Vasques, Elie Leal de Barros Calfat, Alexandre Rizkalla, Cintia A. M. Périco, Deisy M. Porto, Carlos E. K. Zacharias, Roberto M. dos Santos, Vicente de P. Gomes Júnior, Quirino Cordeiro, Antônio Geraldo da Silva, Teng C. Tung, e Alexandre Paim Díaz. 2021. “Diretrizes Brasileiras Para O Manejo Da agitação Psicomotora: Cuidados Gerais E avaliação”. Debates Em Psiquiatria 11 (1). Rio de Janeiro:8-20. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2021.v11.12.